Diante da polêmica acerca do Programa Mais Médicos do
Governo Federal e das demais mudanças na carreira da Medicina, o programa
Polêmica da Rádio Gaúcha convidou o professor da Saúde Coletiva/UFRGS para
participar de um debate com Paulo Argollo Mendes, presidente do SIMERS, e Claudio
Balduíno Souto Franzen, tesoureiro do CREMERS e professor da Faculdade de
Medicina da UFRGS.
Na tentativa de amenizar o problema da falta de médicos
nas periferias das cidades e no interior dos estados o Governo Federal pretende
aumentar em dois anos a duração do curso de Medicina, tempo no qual seria
realizado um estágio remunerado no SUS, proposta que também daria ao jovem
profissional uma vivência no SUS público.
Argollo acredita
que o programa não passa de um processo demagógico com vistas para a eleição do
próximo ano. Argumentou que se houvesse real interesse da Presidente em
investir em saúde que ela não teria vetado a PEC 29, que aumentava o
investimento em saúde de 4,4% para 10% do orçamento geral da União, ato feito
antes das manifestações do último mês. Argollo defendeu que a vinda de médicos
estrangeiros não resolve o problema da super lotação de hospitais e informou
que em Porto Alegre há quatro vezes mais médicos que a média do Estado do RS. Argollo
afirmou que 30% da população tem plano de saúde e que o setor público, para
atender 70% da população, investe menos que os planos de saúde. O presidente do
SIMERS disse ainda que a entidade defende como solução para a concentração de
médicos na capital e a carência deles no interior a criação da carreira de
médico, semelhante a que existe para juízes, na qual o profissional faz um
concurso público e é alocado de acordo com a demanda.
Claudio Franzen,
do CREMERS, concordou com o colega no que diz respeito à necessidade de uma
carreira médica que estimule o profissional a trabalhar no SUS. Afirmou ainda que hoje 60% dos médicos que se
formam fazem residência atendendo fundamentalmente o SUS público.
O professor Alcides
trouxe a questão do serviço civil, não necessariamente obrigatório,
defendida por estudantes de Medicina já na década de 1980 como uma maneira de
enfrentar a problemática da redistribuição da força de trabalho médica. Deixou
claro, também, que quem financia a universidade pública é a população brasileira
e que devem ser buscadas maneiras de viabilizar um sistema público de saúde – o
que já teria sido deliberado por várias Conferências Nacionais de Saúde.
Alcides disse ainda que o governo sempre foi inoperante com as corporações
médicas que controlam as vagas de residência, cujas bolsas são na maioria
públicas, mas que são controladas pela corporação, não pelas necessidades
básicas da população, de maneira que a universidade forma profissionais para o
mercado, não para a sociedade. Alcides não acha que seja necessária à
importação de médicos, mas defende que sejam discutidas alternativas para a
questão da distribuição desses profissionais, o que as corporações médicas se
recusam a fazer, como quando se posicionaram contrárias ao PROVAB, que visa
enviar para o interior o médico recém-formado.
Franzen disse
que as corporações médicas se colocaram contra o bônus de 20% da nota que seria
dado ao residente que optasse por determinadas áreas por essa medida ir contra
a meritocracia, afinal o estudante que optasse a ir a determinado lugar estaria
tendo vantagem em detrimento aquele que se preparasse para a seleção. Que se a
questão fosse pagar uma dívida social que todo aquele que houvesse estudado em
uma instituição pública desde sua infância deveria trabalhar para o governo.
Alcides esclareceu
que não se trata de pagar uma dívida social, mas também que não se trata do
outro extremo, de quem teve seus estudos sustentados pela população brasileira
se formar e não fazer absolutamente nada para essa população. Para o médico, há
que se discutir um meio termo para garantir que haja uma resposta social da
universidade, não só da pública, mas também da privada e que é importante dizer
que o sistema privado investe mais que o público porque existe a renúncia
fiscal: a pessoa que paga o plano de saúde, deduz no imposto de renda e este
deixa de entrar livre para financiar a rés (coisa) pública.
- O sistema privado não faz a Atenção Primária porque não
dá lucro, não faz os procedimentos de alto custo (transplante, hemodiálise) porque
dá prejuízo, aí ele transfere para o SUS as medidas que têm maior impacto à
longo prazo, mas que não dão lucro e as medidas que tem menor custo ficam num
nicho de mercado mais lucrativo. Doença é usada como mercadoria e precisamos
discutir qual é a lógica da produção social em saúde, quais são as nossas
responsabilidades, não só transferir para governos, no plural, a
responsabilidade, mas discutir quais são as responsabilidades quando nós
viabilizamos.
Para Alcides a defesa de carreira única, de condições
propícias de trabalho é uma unanimidade entre os médicos. A divergência ocorre
em relação à ilusão liberal da Medicina, na qual os profissionais não querem
ser escravos do Sistema Público, mas se colocam como escravos dos planos de
saúde. O professor finaliza sua fala afirmando que a questão é que se a
corporação deseja fazer parte do problema ou da solução:
- Eu não discuto aqui a medida governamental em si, eu
discuto a oportunidade para assumirmos uma perspectiva de trabalho vinculando
essa alternativa com melhores condições de trabalho, com uma carreira, mas isso
só é possível se nós formos protagonistas do SUS real, não se ficarmos
esperando um SUS ideal para tomarmos essas iniciativas.
O programa realizou também uma enquete para saber a
opinião dos ouvintes em relação ao tema:
Enquete - A
partir de 2015, o curso de Medicina aumentaria de seis para oito anos. Durante
dois anos os alunos teriam que atuar no SUS para obterem o diploma. Você
concorda?
Escrito por Mariana Martins, redação do áudio por Rossana Mativi.